Sankara

O rei da nossa narrativa, discípulo do filósofo Sankara, era um homem lúcido e realista que não podia deixar de ter em boa conta a sua estirpe e augusta personalidade.

Quando seu mestre lhe disse que considerasse todas as coisas - inclusive o exercício do poder e o usufruto dos deleites reais - como sendo nada mais do que reflexos (puramente fenomênicos) da essência transcendental do Eu, presente tanto nele quanto em todas as coisas, o rei mostrou-se relutante.

E, quando o mestre acrescentou que esse único Eu parecia-lhe múltiplo devido à força da ilusão de sua inata ignorância, o rei resolveu testar seu guru para ver se era, de fato, capaz de agir como uma pessoa absolutamente desapegada.

Assim, no dia seguinte, quando o filósofo se dirigia ao palácio por uma daquelas majestosas avenidas a fim de continuar instruindo o rei, foi solto em sua direção um enorme elefante enlouquecido por queimaduras.

Sankara virou-se e fugiu logo que percebeu o perigo e, quando o animal estava quase sobre ele, o mestre desapareceu. Ao ser encontrado, Sankara estava no topo de uma alta palmeira, na qual havia subido com uma destreza própria mais dos marinheiros que dos intelectuais. O elefante foi apanhado, acorrentado e conduzido de volta aos estábulos, e o grande Sankara, transpirando por todos os poros, apareceu ao seu discípulo.

O rei, educadamente, desculpou-se com o mestre de sabedoria pelo infeliz e quase desastroso incidente; mal podendo esconder um sorriso perguntou, com fingida seriedade, o porquê do venerável mestre ter recorrido à fuga física, uma vez que ele estava ciente de que o elefante era de caráter puramente ilusório e fenomênico.

Respondeu o sábio: - De fato, a pura verdade é que o elefante é irreal. Não obstante, tu e eu somos tão irreais quanto o elefante. Somente a tua ignorância, anuviando a verdade com este espetáculo de fenomenismo irreal, fez com que visses meu eu fenomênico subir numa árvore irreal.


(do livro Filosofias da Índia de Heinrich Zimmer)