Em que você pensa durante o trajeto que faz até seu carro e do carro para o trabalho? Quando anda até a padaria? No momento em que caminha até o clube? Normalmente a cabeça já está lá em nosso destino, pensando no relatório que está atrasado, na comida que se vai saborear, nos amigos que vamos encontrar. Ou então em algo que já aconteceu e que ficou martelando na cuca enquanto andamos. Andar nem é a melhor expressão para usar aqui, já que quase sempre estamos correndo, marchando para dar conta das atividades do dia.
Se você está cansado de andar assim apressado, saiba que a solução para esse dilema moderno não está em fazer tudo mais rápido ou em gerenciar melhor a vida. Isso pode ajudar, claro, mas, pelo menos no caminho entre um compromisso e outro, há um jeito mais simples de evitar a ansiedade: meditar. Meditar andando. "Quando praticamos a meditação andando, chegamos a todo momento. Nosso verdadeiro lar é o momento atual. Nele, nossas queixas e preocupações desaparecem e descobrimos a vida", diz em seu livro Meditação Andando o monge vietnamita Thich Nhat Hanh, grande divulgador da prática (veja sua história na página 33). O que ele quer dizer é que, quando andamos, devemos simplesmente andar e contemplar o momento presente. Claro que, se estivermos num parque ou numa linda praia deserta, a prática fica mais fácil. Eu mesma a experimentei algumas vezes em um calmo retiro de meditação. Mas o grande desafio é levar essa prática para as ruas movimentadas da cidade e aos corredores do trabalho. Conversei com praticantes experientes que explicaram como chegar lá - sem tropeços.
Primeiro passo
No começo, treinar com grupos em lugares calmos ajuda bastante.
A monja budista Coen explica que andar com mais pessoas tem lá suas vantagens. "O ser humano tem tendência a ser preguiçoso e deixar as coisas sempre para o outro dia. Quando estamos em grupo, ele serve como um apoio, um incentivo para a prática." Coen conduz dezenas de pessoas na meditação andando que faz no Parque da Água Branca, em São Paulo, um fim de semana por mês. Mas, se você não tem um grupo de prática nem um parque por perto, pode usar outros espaços, como a sala da sua casa, o quintal ou pátio do prédio onde você mora. "O importante é perceber que nossa vida está no lugar onde estamos e não naquele para onde vamos - ela está onde nossos pés estão."
Foi isso que perceberam os monges budistas há cerca de 2 mil anos nos mosteiros: durante os intervalos das meditações sentadas eles saíam para andar e, assim, aliviar as pernas, que ficavam muito tempo paradas. E viram que, durante a caminhada, também era possível aquietar a mente - que é o objetivo da meditação.
De lá para cá, essa meditação foi incorporada por outras tradições e escolas de yoga, além de ser uma prática constante de grupos budistas, como o do monge vietnamita Thich Nhat Hanh. "Ele conseguiu transportar os grandes ensinamentos espirituais para os hábitos do cotidiano, como a meditação andando, que pode ser praticada em qualquer lugar", diz a atriz Odete Lara, que deixou a carreira para se dedicar ao budismo. Odete conheceu o monge em 1981, em um mosteiro da Califórnia, e traduziu seus primeiros livros no Brasil. "Nós, ocidentais, temos uma certa dificuldade para ficarmos sentados em meditação, parados. Por isso, a caminhada é uma boa opção", diz Odete.
Respiração consciente
Antes de sair batendo perna por aí, saiba que existem alguns conselhos preciosos para a meditação andando dar certo. A postura é importante: mantenha sempre o quadril encaixado e a coluna ereta. Com o corpo relaxado, preste atenção na respiração - ela é um elo entre o corpo e a mente. Durante a caminhada, um exercício simples é, ao inspirar, dizer para si mesmo "inspirando" e, ao expirar, dizer "expirando". Outra técnica é contar os passos dados a cada movimento respiratório. Não tente controlar nem se esforçar. Deixe seus pulmões dizerem o tempo e a quantidade de ar que precisam para um caminhar suave e confortável. E observe quantos passos você dá enquanto seus pulmões se enchem e quantos passos dá enquanto esvaziam. A duração da inspiração não tem que ser a mesma da expiração. Evite conversar, para não dispersar.
Nas minhas primeiras semanas de meditação andando pela cidade, tive vontade de observar crianças brincando, canteiros e construções.
A monja Coen havia dito para eu manter o olhar para a frente e, caso ficasse com vontade de ver alguma coisa, eu deveria parar, contemplar e depois continuar com a caminhada. Mas o que fazer com os pensamentos que pipocavam o tempo inteiro na minha cabeça? "Os pensamentos surgem, você os observa e depois volta para o momento presente", disse Coen. "A impressão que as pessoas têm é que a gente desliga do resto, mas é o oposto: sentimos a presença de tudo, com todos os canais de percepção abertos, mas sem julgar."
Desacelerar o passo
Thich Nhat Hanh diz que, como os bebês, precisamos aprender a andar de novo - de maneira mais vagarosa, com mais alegria e naturalidade. "Se prestar atenção, poderá observar todas as preocupações e ansiedades das pessoas impressas no chão enquanto andam. Nossos passos são em geral pesados, cheios de apreensão e medo", diz o monge. Um jeito de reeducar cada passada é ficar atento ao contato dos pés com o solo. Existe até uma imagem poética para essa interação: caminhar como se estivesse beijando a terra com os pés.
Não importa tanto a velocidade dos passos: você pode andar lentamente, pé ante pé, e sua cabeça estar num tumulto, ou andar mais rápido e sentir prazer nisso. O importante é estar consciente. "Não devemos ser tão rígidos, por isso existe o caminho do meio. Uma das minhas melhores caminhadas aconteceu quando não me preocupava com nada, nem com a respiração nem com os passos - apenas desfrutando minha caminhada, aquele momento", diz o monge Phap Nhan, da comunidade Thich Nhat Hanh do mosteiro de Maple Forest, nos Estados Unidos.
Confesso que no começo das minhas andanças eu meti os pés pelas mãos, dispersei um bocado, trombei com algumas pessoas, me distraí com outdoors e buzinas. Mas, depois, senti um certo alívio ao parar de pensar o tempo inteiro só no meu destino e nas intermináveis coisas que sempre tenho que fazer. Nem sempre acordo com o pé direito, mas aprendi a ficar menos ansiosa e a apreciar mais o meu andar. O monge Phap Nhan disse que uma maneira de saber se você está praticando bem é sentir muito prazer ao caminhar.
A prática está fazendo efeito.
Thich Nhat Hanh
Em todos os livros do monge vietnamita Thich Nhat Hanh há um ensinamento que é sempre destacado: a importância da conscientização de cada ato da nossa rotina diária. Para ele, a meditação não se dá apenas nos centros, mas nos pequenos atos do dia-a-dia, como ao arrumar a cama ou ao andar. É a importância do engajamento pessoal, do qual ele é um grande exemplo com sua própria história de vida. Thich Nhat Hanh nasceu na região central do Vietnã em 1926 e foi ordenado monge zen-budista com apenas 16 anos. Durante a guerra no Vietnã, renunciou ao isolamento monástico para ajudar seu povo ativamente. Criou junto a um grupo de professores e estudantes universitários a Escola da Juventude para o Serviço Social, na qual equipes de jovens ajudavam a fundar nos campos escolas e clínicas de saúde e a reconstruir os lugarejos destruídos pela guerra. Trabalhou pela conciliação entre o Vietnã do Norte e o do Sul, o que o levou ao exílio em 1966. Viajou pelo mundo para conversar com líderes de diversas nações em defesa da paz e seus ideais fizeram com que Martin Luther King o indicasse para o Prêmio Nobel da Paz em 1967. Hoje, vive no sul da França, em Plum Village, um centro fundado por ele em 1982, onde a prática de meditação andando é diária.
Para saber mais
• Meditação Andando,
• Thich Nhat Hanh, Vozes
• Caminhos Para a Paz Interior,
• Thich Nhat Hanh, Vozes
• Comunidade de meditação do mestre Thich Nhat Hanh na França, www.plumvillage.org
Fonte: Vida Simples - Marcia Bindo