
O cigarro é uma das drogas que mais causam dependência e matam. Conheça caminhos para adquirir força de vontade e disciplina para deixar de fumar.
Defeito físico ou moral. Deformidade. Imperfeição. Essas são algumas das definições para “vício”, e, por causa dele, muitos sucumbem em uma jornada sem volta. Cultuado durante décadas por mídias como TV e cinema, o tabagismo tornou-se caso de saúde pública e é um dos vícios mais difíceis de se livrar, mais do que a cocaína e a heroína. Principal causa de várias enfermidades como a doença pulmonar obstrutiva crônica, o enfisema pulmonar, a bronquite crônica, câncer de pulmão, esôfago e bexiga, estima-se que o total de mortes devido ao uso do tabaco seja de 4,9 milhões ao ano, ou seja, mais de 10 mil mortes por dia, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Mas é possível se livrar do cigarro sem remédios e os ensinamentos do Yoga mostram o caminho. Um dos princípios de conduta que deve conduzir o comportamento de um verdadeiro yogi são os yamas e niyamas, integrantes das oito partes do conceito de Ashtanga Yoga. Um dos niyamas, tapas, que quer dizer literalmente calor ou brilho, trata da disciplina, qualidade essencial para quem decide parar de fumar.
Segundo o escritor Georg Feurstein no livro Uma Visão Profunda do Yoga (ed. Pensamento), tapas é qualquer prática que leva a mente a enfrentar seus próprios limites, e seu fator principal é a resistência. “Tapas começa quando negamos a nós mesmos, temporária ou definitivamente, a satisfação de um desejo particular. Em vez de satisfazer o desejo, decidimos adiar sua satisfação. Então, aos poucos, o adiamento pode prolongar-se até transformar-se na renúncia completa a um determinado desejo”. Baseado nesse niyama e na prática constante de asanas, pranayamas e meditação, é possível vencer o vício. Para a jornalista Renata Reif, de 24 anos, que fumava desde 14 anos, a prática de Yoga foi o grande incentivo para livrar-se definitivamente do cigarro. “Fumar sempre foi o hábito mais difícil de abandonar até conhecer o Yoga. Assim que comecei a praticar, minha professora me assegurou que não fumaria por muito tempo. Segundo ela, se continuasse com uma prática diária, o Yoga me levaria naturalmente a parar. Não levei muito a sério e continuei a fumar, praticando todo santo dia. Após alguns meses, o cigarrinho de antes da prática começou a ser inconveniente. Aos poucos comecei a fumar o cigarro até a metade. E agora faz quatro meses que larguei o cigarro por vontade própria e também por uma questão ecológica. É uma grande incongruência neutralizar as atividades de carbono e jogar fumaça para dentro do corpo”.
Mudanças de dentro para fora
Especialistas no tratamento de tabagismo ressaltam a importância de uma mudança de hábitos como uma alimentação mais saudável, prática de exercícios físicos e psicoterapia em alguns casos. O Yoga entra no tratamento como um elemento fundamental, que desenvolve a disciplina, a força de vontade, a consciência corporal e o equilíbrio mental. “O indivíduo, quando pára de fumar, muitas vezes, desenvolve um quadro de ansiedade ou depressão, e o Yoga é importante no êxito do tratamento, pois trabalha o conceito saudável de corpo-mente e ajuda a controlar a vontade de fumar”, avalia o psiquiatra Celso Lopes de Souza, autor do livro A Última Tragada (ed. Harbras) e dirigente da clínica antitabagista Souza Abdal, em São Paulo. Mas nem todos conseguem libertar-se do vício somente com a ajuda do Yoga. Às vezes, o suporte profissional é essencial. Há vários tratamentos eficazes – os mais tradicionais são a reposição de nicotina por adesivos ou goma de mascar, medicamentos antidepressivos e psicoterapias.
Além desses, terapias complementares como a auriculoterapia – estímulo em um ponto da orelha baseada na acupuntura - e o Ayurveda também podem ser eficientes e dispensam o uso de remédios. De acordo com a médica pneumologista Adriana Castro de Carvalho, que dá aulas de anatomia em um curso para professores de Yoga em Campinas, o sucesso do tratamento depende de uma série de fatores. “É importante ressaltar que mesmo entre aqueles indivíduos que estão realmente motivados a parar de fumar, uma pequena porcentagem consegue sem ajuda, portanto, o papel do profissional de saúde é o de informar e de dar condições ao indivíduo que está motivado”. Mesmo sabendo de todos os malefícios causados pelo cigarro, muitos param de fumar e, pouco tempo depois, voltam. A culpa é da nicotina, uma substância psicoativa que causa a sensação de bem-estar. Quando se traga um cigarro, a nicotina atinge a região mesolímbica do cérebro, responsável pela área do prazer e ativa a liberação de dopamina – neurotransmissor responsável por estimular a sensação de satisfação. “O cérebro se acostuma com essas doses e tem necessidade de quantidades cada vez maiores para manter o mesmo nível de prazer, por isso a pessoa começa fumando pouco e depois de um tempo tem necessidade de fumar cada vez mais. Em menos de seis meses ela está dependente da nicotina”, explica o psiquiatra Celso Lopes de Souza.
Os exercícios de respiração são grandes aliados no momento de largar o cigarro. Mentalizar que já parou de fumar também. A acupuntura e o Ayurveda oferecem tratamentos de apoio eficazes
De acordo com a Dra. Adriana, existem condicionamentos em que o fumante faz associações de fumar em situações corriqueiras e o ato de fumar acaba tornando-se como um reflexo, uma ação automática como acender um cigarro junto com o cafezinho, após as refeições, falando ao telefone ou após as relações sexuais. “A falta do cigarro gera frustrações e sintomas da síndrome de abstinência, como irritabilidade, insônia, agressividade, impaciência, falta de concentração, dor de cabeça”, diz. Segundo ela, o Yoga pode ser um grande aliado no controle dos sintomas de ansiedade associados à abstinência do cigarro e que muitas vezes fazem com que o paciente desista de tentar. Viver sem o cigarro é um desafio constante na vida de um ex-fumante e o que ele mais precisa é perceber que há outras formas de obter prazer, sem prejudicar a saúde. A professora de Yoga Regina Shakti, proprietária do ashram Krishna Shakti, em Campos do Jordão (SP), diz que o lugar é muito procurado por quem deseja parar de fumar. “Acho importante ressaltar que quem fuma, faz isso porque busca algum tipo de prazer, então tem de mudar o conceito do que é o verdadeiro prazer. Pessoas que vêm aqui para parar de fumar, dizem que por não haver ninguém fumando, pelas atividades agradáveis e os estímulos para melhorar de vida, o processo é facilitado. Meditar mentalizando que já conseguiu parar ajuda muito também”, acredita.
Posturas diante da vida
Fumante desde os 15 anos, a veterinária Clarissa Troccoli, de 27 anos, fumava cerca de um maço e meio por dia. Começou a praticar Yoga há alguns meses e sempre acendia um cigarrinho após a aula. “Eu fumava com uma dor no coração, pois sabia que aquilo me fazia mal, mas não conseguia controlar a vontade”. Depois de tentar vários métodos, Clarissa resolveu tentar a terapia auricular e procurou o acupunturista Fage Marat, que atende em sua clínica antitabagista em São Paulo. Este método consiste em uma única aplicação de um minúsculo dispositivo totalmente invisível, descartável, que permanece por 15 a 20 dias, em um ponto definido de uma ou ambas as orelhas. Trata-se de uma forma de “sensibilização”. A atuação deste dispositivo evita o aparecimento das reações da síndrome de abstinência, caracterizada por ansiedade, insônia e nervosismo. De acordo com o médico, o fumante deixa o cigarro sem dificuldades, na grande maioria dos casos.
Contudo, o acupunturista destaca que o método tira a necessidade, mas não a vontade. “O fumante precisa realmente querer parar de fumar e nesse ponto acredito que o Yoga seja um estímulo a mais, pois com a prática, ele adquire conscientização e força de vontade”, afirma. Há um ano e três meses sem fumar, Clarissa se sente muito mais saudável e disposta, e até sua pele adquiriu um tom rosado. “Eu não sinto mais vontade e nem tive nenhuma recaída, o tratamento médico me fez parar, mas foi o Yoga que me deu a força de vontade para continuar sem o cigarro”. Algumas posturas, pranayamas e meditação são especialmente eficazes para desenvolver a persistência e disciplina. A professora de Yoga Cristina Ruggero, do Ananda Yoga (SP) recomenda alguns asanas. “O sidhasana (postura do adepto) aquieta a mente e os pensamentos. O fumante passa a refletir sobre o que o leva a esse hábito. De modo geral, as posturas ajudam a acalmar, diminuindo a ansiedade e as respirações desintoxicam o organismo”. A força de vontade e a disciplina são fatores fundamentais para a excelência do resultado. Segundo ela, uma postura que trabalha essencialmente a força de vontade é navasana (postura do barco) e as posturas inversas podem ajudar muito no processo de mudança de atitude mental.
“Crescemos nos apoiando nos pés, então ao invertermos a polaridade, como, por exemplo, no sarvangasana e setu bandha sarvangasana), nosso organismo é desafiado a se adaptar. A mente clareia e adquirimos nova consciência”, diz. Para o professor Anderson Allegro, do Aruna Power Yoga, (SP), aprender a respirar corretamente é fundamental para desintoxicar o organismo, diminuir a ansiedade e limpar as vias respiratórias e o pulmão. “Com a reeducação respiratória, a pessoa aprenderá a usar os pulmões em toda sua plenitude, e se ela fumar, não conseguirá. Com a prática de Yoga, ela conscientiza- se cada vez mais do quanto isso faz mal para a saúde dela, a meditação levará à auto-observação e, com o tempo, vai querer parar de fumar”, avalia. Foi baseando-se na filosofia do Yoga, principalmente em tapas, que o piercer e designer de jóias André Meyer, de 38 anos, parou de fumar há seis meses depois de 18 anos convivendo com isqueiro, cinzeiro e bitucas. “Senti uma necessidade natural de respirar melhor, inclusive nas práticas. Também parei de beber e me tornei vegetariano, me preservo dos excessos. Como conseqüência, fiquei mais disposto, tenho mais consciência dos meus atos e até estou mais amável e bem-humorado”, conta.
Ayurveda para fumantes
A medicina milenar da Índia também atua como coadjuvante no tratamento para se livrar do tabagismo. O Ayurveda ensina que temos a missão de nos reequilibrarmos constantemente e um ser humano em desarmonia psicofísica dificilmente conseguirá abandonar o vício, pois o cigarro torna-se uma bengala para as frustrações. Para o homeopata e médico ayurvédico César Devesa, no Ayurveda, as toxinas incluem não apenas as substâncias acumuladas no corpo por drogas, medicamentos e alimentação incorreta como também toxinas mentais decorrentes de sentimentos que não sejam amor, felicidade e compaixão. “Outras toxinas são oriundas de ações de vidas passadas que repercutem na vida atual. Assim, existem outros tratamentos, direcionados para os diferentes tipos de toxina como marmaterapia (estímulo de pontos de energia com óleos essenciais), meditações, mantras, etc.”, afirma. No caso da homeopatia, o medicamento de fundo seria aquele direcionado à totalidade de sintomas de maior sensibilidade do paciente e que deveria colocá-lo em um estado de pleno equilíbrio, pois um organismo equilibrado não acumula toxinas.
O médico ayurvédico Aderson Moreira da Rocha, presidente da Associação Brasileira de Ayurveda, recomenda misturar o tabaco com plantas medicinais como pétalas de rosas orgânicas, brahmi e jatamansi – que podem ser encontradas em consultórios ayurvédicos – e colocar essa mistura na primeira metade do cigarro; fuma-se até chegar no tabaco e então descarta-se o cigarro. Algumas plantas medicinais têm ação depurativa, como exemplo podemos citar o neem e o dente de leão. Ele receita também uma limpeza nasal: “A nasya é feita da seguinte forma: a pessoa limpa as fossas nasais com água mineral e ghi-medicado (mistura da manteiga clarificada com ervas – nesse caso, a acariçoba), massageando a região. Isso deixará as fossas desobstruídas e eliminar os resíduos da nicotina”, ensina. Para as crises de abstinência, Dr. Aderson indica massoterapia com óleos vegetais, shirodara (sessão ayurvédica em que um fio de óleo morno escorre sobre a testa do paciente) e um chá de ervas com jatamansi, camomila e brahmi ou acariçoba. Além disso, existe um panchakarma completo – um tratamento de desintoxicação que dura dois meses e meio e é usado como ferramenta terapêutica com excelentes resultados na depuração do corpo físico das substâncias tóxicas existentes no cigarro.
Tabagismo no mundo e no Brasil
O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável em todo o mundo. A OMS estima que um terço da população mundial adulta, isto é, 1,2 bilhões de pessoas (entre as quais 200 milhões de mulheres), sejam fumantes. Caso as atuais tendências de expansão do seu consumo sejam mantidas, esses números aumentarão para 10 milhões de mortes anuais por volta do ano 2030, sendo metade delas em indivíduos em idade produtiva (entre 35 e 69 anos). No Brasil, estima-se que cerca de 200.000 mortes/ano são decorrentes do tabagismo. Uma pesquisa realizada em 2002 e 2003, entre pessoas de 15 anos ou mais, residentes em 15 capitais brasileiras, mostrou que a taxa de fumantes varia de 12,9 a 25,2%, isto significa que um terço da população adulta fuma no Brasil, o que representa 11,2 milhões de mulheres e 16,7 milhões de homens segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Nacional do Câncer. A boa notícia é que houve uma queda no número de fumantes no Brasil de 32% entre 1989 e 2002. Segundo dados do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas, em São Paulo, 93% dos fumantes querem parar, mas apenas 3% deixam o cigarro sem ajuda, a cada ano. Desses, 30% largariam o vício se houvesse tratamento disponível na rede pública de saúde. Um dos problemas é a compra de remédios, que custa, em média R$ 300.
fonte: Yoga Prana