Ele tocava minhas partes íntimas

Agência Estado

O iogue Cristóvão de Oliveira à frente de um grupo de praticantes: clientes internados por intoxicação e denúncias de práticas pouco convencionais

A professora de ioga que fez um curso com Cristóvão de Oliveira diz que demorou para se dar conta de que não era uma situação normal. "Eu pensava que um homem com a sabedoria dele nunca ia fazer esse tipo de coisa." Foi nas sessões de massagem que ela começou a suspeitar de algo errado. "Durante as sessões, ele tocava minhas partes íntimas. Eu me culpava por achar que estava pensando besteira. Mas com o tempo fui percebendo que outras mulheres tinham a mesma queixa."

Essa mulher, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, relatou a ÉPOCA em detalhes as práticas que afirma ter testemunhado no centro do iogue Cristóvão, de 43 anos. O centro funciona na própria casa de Cristóvão, em Mairiporã, na serra da Cantareira, no norte da região metropolitana de São Paulo. Na semana passada, o lugar chegou ao noticiário quando vários de seus freqüentadores foram hospitalizados. Haviam tomado muita água e um chá diarréico que supostamente ia "purificá-los". O caso chamou a atenção para o centro e levou parentes de clientes e ex-integrantes da clínica a denunciar práticas irregulares. O advogado da cliente ouvida por ÉPOCA anunciou que vai entrar na Justiça na próxima semana contra Cristóvão.

Procurados por ÉPOCA ao longo desta semana, Cristóvão e sua advogada não se manifestaram.

Os clientes que sofreram a intoxicação estavam no centro desde o dia 31 de outubro para um retiro de um mês com o iogue. Essa era a primeira vez que Cristóvão reunia praticantes de ioga na sua casa por tanto tempo. Durante esse período, os praticantes deveriam dormir por volta das 17 horas e acordar à meia-noite. Depois, meditariam até às 4h da manhã. Fariam ioga até às seis e depois iriam trabalhar. O primeiro exercício do retiro foi o de uma limpeza intestinal. Os clientes tomaram dezenas de litros de água e chá de sene (diarréico) com a intenção de se purificar. Cerca de 1 ou 2 horas depois, começaram a passar mal. Sentiam cólicas, diarréia, desidratação e até confusão mental. Dois praticantes, que não passaram mal, decidiram levar os doentes para o hospital mais próximo, no centro de Mairiporã. Dois foram internados na UTI. Um deles teve de ser entubado e passou cinco dias em coma. O próprio Cristóvão teve de ser medicado.

Para participar do retiro durante o mês todo, os iogues pagaram R$ 3 mil. A internação aconteceu na sexta-feira à noite, mas os familiares só foram avisados do ocorrido na segunda-feira, perto da hora do almoço. Assim que melhoraram, os praticantes voltaram para a casa de Cristóvão para continuar com a vivência.

Ao beber uma quantidade de água muito acima do normal – os médicos recomendam a ingestão de dois litros diários – a quantidade de sódio no corpo diminui. A baixa quantidade de mineral pode provocar tremores, confusão e convulsões.

Arquivo
Cristóvão pratica ioga ao lado da atriz Fernanda Lima: apesar de ser uma figura polêmica no mundo da ioga, ele atraía clientes famosos para seu centro

Cristóvão, de 43 anos, é uma figura polêmica no meio da ioga. Nascido no interior de São Paulo, é filho de um caminhoneiro e de uma dona de casa. Fez um curso técnico no Senai e formou-se ajustador mecânico. Fazia massagem por hobby e, para se aprofundar no assunto, decidiu ir morar na Índia, onde diz ter aprendido a técnica de ioga que aplica em seus alunos, a Ashtanga Vinyasa Yoga. Em 1998, abriu o Centro Vidya, em São Paulo. A escola já atraiu famosos como Luciana Gimenez, Fernanda Lima e Pedro Paulo Diniz. Este último, segundo ex-integrantes do Centro, teria emprestado dinheiro para Cristóvão construir o Ashram, a casa localizada na Serra da Cantareira, onde foi realizado o retiro.

Cristóvão desperta amor e ódio entre os alunos iogues. Para uns, é tido como o melhor professor de ioga do país. Mais do que isso, quase um terapeuta. “Nós contávamos tudo para ele, nossos problemas, medos”, diz a ex-integrante do centro. Até por professores dissidentes ele é descrito como uma figura carismática e sedutora. Alguns instrutores chegaram a abandonar empregos e famílias para se dedicar exclusivamente ao trabalho no Vidya.

Tido como um professor exigente, Cristóvão prega a superação dos limites do corpo aos seus alunos. "Muita gente se machuca", afirma um ex-professor. "Para consertar, ele faz massagens". Cada sessão de massagem que Cristóvão afirma ser ayurvédica, aplicada por ele, custa, em média, R$ 250. Ele costuma escolher em quais professores vai aplicar a massagem. Também treina os instrutores de ioga para que eles mesmos apliquem a técnica nos clientes. Essas sessões custam, em média, R$ 175.

A maioria dos instrutores acompanha Cris, como é conhecido, por anos a fio. Uma ex-integrante, que freqüentou o Centro por quatro anos, diz que se desligou do Vidya depois de ter viajado para a Índia e ter conhecido as origens da Ashtanga Vinyasa Yoga. "Ele diz aplicar uma técnica de ioga de sabedoria milenar. Mas quase tudo saiu, na verdade, de dentro da cabeça dele", diz um ex-professor do centro. Um dos iogues que participou da vivência, Pedro Moreno, e que ajudou a levar os doentes para o hospital, era tido como o braço direito de Cristóvão. Trabalharam juntos 11 anos e chegaram a ser sócios em uma escola. "Rompi com ele porque meu senso ético era incompatível com o que parecia acontecer lá dentro", afirma Moreno.

Fonte: Época - Maria Laura Neves