Quando a yoga se torna doença

Se o filho entra num curso de yoga, os pais costumam achar que está no bom caminho. É uma prática que veio da Índia. Ajuda a relaxar, ensina a respirar e abomina o uso de drogas. Os pais só não imaginam que também há picaretas nesse mundo. E que podem perder seu filho para um falso guru, um pequeno ditador. Ele escolhe jovens carentes e bonitos como seus eleitos. Afasta-os da família e dos amigos, controla a cabeça deles e abusa sexualmente das moças.

Cristóvão de Oliveira, o Cris, de 43 anos, é acusado de tudo isso. Não é o único guru a ser envolvido numa polêmica. Seus métodos de cooptação mental e sexual, denunciados por ex-alunas e ex-seguidores, lembram acusações ao mestre DeRose, de 64 anos.

O negócio de Cris cheirou mal quando 11 jovens foram hospitalizados durante retiro no ashram, sua “casa sagrada” na Serra da Cantareira, em São Paulo. Os alunos pagaram R$ 3 mil por um mês de purificação. O ritual incluía uma lavagem intestinal com litros de água e laxante, que os desidratou. Um jovem acabou na UTI, em confusão mental. Os pais só foram avisados três dias depois e o encontraram como indigente num hospital em coma, segundo a mãe.

Como pretensos gurus conquistam seus seguidores? A fórmula é a mesma. São bons professores de yoga, com a aura de legitimidade garantida por biografias de comprovação difícil. Cada um se proclama o instrutor mais autêntico. Colam diplomas da Índia na parede. Os tipos de “yôga”, como querem alguns, são mais de cem. Os picaretas são poucos.

Instrutores detectam quais alunos têm potencial físico e emocional para cair na órbita do mestre. São seduzidos com o papo de ser “os iluminados”. São induzidos a revelar acontecimentos da infância. Os carentes encontram ali uma família. A eles é prometido emprego como instrutores. É oferecida acomodação. Vende-se a fantasia de um mundo puro, idealizado, em paz.


A dependência de falsos gurus é tão grave quanto a dependência de drogas

Aí, vem o jogo duro. São isolados os “fracos” que não suportam até o fim as “vivências” – os retiros que fragilizam. Uma aluna diz que começou a sangrar de uma cirurgia na boca e levantou-se. Cristóvão gritou: “Volta e engole o sangue”. Ela obedeceu.

Não transe com alguém que coma carne vermelha. Não faça aulas com outro professor, senão você será expulso. “Eu escolhi você”, dizia Cristóvão a cada aluna que decidia massagear. Deixava hematomas e depois marcas mais sérias, segundo depoimentos. Uma ex-aluna contou que a massagem passava a carícias e a relações sexuais. Diante de sua relutância, ele insistia: “Quer sim. Você tem a sexualidade aflorada. Precisa trabalhar essa energia”. Ex-alunas dizem que Cristóvão as convencia de que “era Deus entrando nelas”.

Pais das vítimas estão processando Cristóvão. Um afirmou: “A gente não vai sossegar enquanto não interditar o cara ou colocá-lo atrás das grades. É um charlatão, um criminoso, que brinca com a saúde de jovens. O processo estará no Ministério Público na terça-feira. Quero minha filha de volta à vida”.

“Em São Paulo, há três inimigos da yoga séria: DeRose, Cristóvão e Cláudio Duarte”, diz Rui Afonso, professor de hatha yoga. “Eles se isolam em guetos, desrespeitam tradições de 5 mil anos, inventam métodos, são sociopatas. DeRose ordena aos discípulos que não se misturem a seres inferiores – os que não praticam seu método swásthya. Ele diz que só seus alunos são inteligentes, bonitos e ricos. E os outros tipos de yoga são para gente pobre e menos instruída. Está escrito em seu livro Faça Yôga antes Que Você Precise. O fascismo começa com o discurso vegetariano radical.” Rui rompeu o silêncio de anos e agora alerta alunos.

Tentei ouvir Cristóvão, mas a mulher dele disse que só falarão em juízo. DeRose respondeu: “Foram os outros professores de yôga que me isolaram. É óbvio que não existem castas superiores de alunos. Quanto aos métodos, eu realmente criei o meu, DeRose”. Cláudio Duarte não foi encontrado.

Cresce um movimento no Brasil para que se denunciem os maus professores de yoga. Pedro Kupfer, da Aliança do Yoga, que congrega todas as linhas, é uma das maiores referências do país em Hatha Yoga. Ele mandou uma carta para 900 professores de Yoga, pedindo que se manifestem contra as práticas de Cristóvão, para que as pessoas saibam quem é quem. "Um dos princípios mais básicos e essenciais do yôga é a não-violência. Não se pode provocar lesões nem hematomas nem muito menos arriscar a vida de alunos. O chá de sene usado por Cristóvão no retiro de purificação nada tem a ver com yôga. Há muito tempo todos nós sabíamos que aconteciam práticas condenáveis, em cursos do Cristóvão e da Uni-Yoga, do mestre DeRose, e não falávamos nada, por ética. Agora, consideramos nosso dever alertar para as escolas boas e ruins. Defendo uma mobilização ativa da sociedade como um todo contra esses atropelos".

Dependência de falsos gurus é tão grave quanto dependência de drogas. Jovens olham os pais com suspeita, e os amigos com desprezo. Talvez seja um vício mais difícil de combater, por não ser bandidagem às claras. Os picaretas da yoga são seqüestradores de almas. Deveriam se envergonhar disso.

Fonte: Época (Ruth Aquino)